Grande Rio sob Disputa: Mapeamento dos confrontos por territórios

Realização:
GENI/UFF e Fogo Cruzado-RJ

Data:
Junho 2024

Parceiro:
Disque-Denúncia

Projeto:
Mapa Histórico dos Grupos Armados no Rio de Janeiro

Release:

Polícia atua mais em áreas dominadas pelo tráfico do que em áreas controladas pela milícia no grande Rio

 

  • Estudo inédito mostra em que intensidade, onde e como acontecem os confrontos no Grande Rio: 49% têm a presença da polícia.
  • 40,2% dos confrontos com a presença da polícia acontecem em área de tráfico e 4,3% em área de milícia.
  • A violência crônica afeta apenas 3,7% dos bairros do Grande Rio, com confrontos intensos e regulares.

Áreas dominadas pelo tráfico estão mais propensas a sofrerem com confrontos do que as dominadas pelas milícias. É o que mostra a pesquisa Grande Rio sob disputa: mapeamento dos confrontos por território, do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI-UFF) e do Instituto Fogo Cruzado. Dentre as áreas dominadas por algum grupo armado no Grande Rio, 85,6% daquelas dominadas pelo tráfico registraram algum conflito. Esse número cai para 61,4% se considerarmos as áreas sob controle das milícias. Esses confrontos não ocorrem pela ausência do Estado, mas sobretudo pela sua presença. O relatório também mostra que em 59,5% dos territórios dominados por algum grupo armado, em que foram registrados confrontos, havia presença policial. Quase metade de todos os conflitos mapeados no Grande Rio contaram com a presença da polícia (49%).

A pesquisa sobre os confrontos no Grande Rio é parte do projeto Mapa Histórico dos Grupos Armados do Rio de Janeiro, lançado em 2021. Para construir um mapa dos conflitos decorrentes do controle territorial armado na região metropolitana do Rio de Janeiro, foram considerados dados de tiroteios e operações entre 2017 e 2023 do Fogo Cruzado, do GENI, do Disque Denúncia e também os dados do Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ) entre 2017 e 2022. Este cruzamento de informações é inédito e revela como os territórios dominados pelas facções do tráfico são mais afetados pelas ações das polícias (mais de 70% das localidades registraram confronto com a polícia) do que as áreas de milícias (31,6% das localidades registraram confrontos com a polícia). Do total de tiroteios mapeados em ações e/ou operações policiais, 40,2% deles ocorreram em áreas de tráfico. Quando analisadas as áreas de milícia, esse número é 10 vezes menor. Somente 4,3% dos tiroteios com a presença da polícia se deram em áreas de milícia. 

Estes dados ajudam a compreender porque entre as áreas dominadas por algum grupo armado que não registraram conflitos nos últimos sete anos, as milícias lideram, com folga. Em 38,6% de seus territórios não foram registrados confrontos com outro grupo armado ou com a presença da polícia. A chance de um território dominado pelo tráfico registrar confrontos é 3,71 vezes maior que a chance para territórios controlados por milícias. 

Daniel Hirata, coordenador do GENI, explica as implicações dos dados. “O domínio territorial por parte de facções do tráfico e a atuação das polícias são dois fatores que deixam os territórios mais expostos a conflitos. Esses conflitos se distribuem de maneira desigual entre áreas de tráfico e de milícias, mas também pela própria região metropolitana. E isso é fundamental para pensarmos a política pública de segurança. Porque os confrontos intensos e regulares são hiper localizados e a participação da polícia nesses casos é decisiva”, afirma. 

A região metropolitana do Rio de Janeiro registra alta frequência de confrontos. Conforme o relatório, são, em média, 17 por dia, 38.271 no período de sete anos. Mas, como destaca Daniel Hirata, esses conflitos não afetam toda a região e não acontecem na mesma intensidade em todas as localidades. Ao longo dos sete anos, 65,1% dos bairros registraram algum confronto por território, mas na média, em cada ano, menos da metade dos bairros são afetados por esse tipo de violência (mínima registrada em 2022, 41,5%, e máxima em 2018, 50,9%). Além disso, quando os bairros são afetados por esse tipo de confronto, eles são em sua maioria conflitos pontuais e/ou de baixa intensidade (41,9% dos casos). Apenas em 3,7% das áreas dominadas por algum grupo armado no Grande Rio, foram detectados confrontos intensos e regulares, apontando para problemas de violência crônica hiper localizados.

“É verdade que vivemos num estado que registra níveis inaceitáveis de tiroteios. Mas isso não resume a situação do Rio de Janeiro. Nosso estudo mostra que menos da metade dos bairros da região metropolitana registraram confrontos em 2022, por exemplo”, destaca Maria Isabel Couto, diretora de dados e transparência do Instituto Fogo Cruzado. Ela lembra que essa informação é essencial para a definição de políticas públicas. “Hoje podemos identificar padrões da violência armada que podem ajudar a priorizar áreas de intervenção do poder público, bem como ajustar as medidas a serem adotadas conforme as necessidades de cada local”.

Expansão territorial

Ao longo do estudo, pode-se observar que quando motivados para a conquista territorial, os confrontos armados são pouco eficazes. Em apenas 5,4% dos territórios houve alteração de domínio por meio do conflito. O Comando Vermelho foi o grupo armado que mais conquistou territórios por meio de disputas, 45,3% entre aqueles em que houve mudança. Em seguida vieram as milícias, com 25,5%, o Terceiro Comando Puro, com 23,3% e da ADA, com 5,7%. Maria Isabel Couto aponta a importância desses números: “O confronto não é o principal responsável pela expansão dos grupos armados no Grande Rio. O que nos faz pensar que a atuação conflituosa das polícias também não será responsável por impedir que esses grupos continuem ganhando território. Quais as principais consequências, então, dos confrontos? A exposição da população, o medo, as escolas fechadas e o transporte interrompido, eventos tão frequentes”. 

É possível observar ainda que entre os territórios conquistados pelo Comando Vermelho a maioria estava sob domínio das milícias, 52,9%. Em compensação, tanto as milícias, quanto o TCP, tiveram entre os territórios do CV suas maiores conquistas — respectivamente 78,5% e 55,2% das áreas conquistadas por cada grupo.

O saldo geral mostra que o Comando Vermelho é o grupo armado que mais ganha e mais perde em termos absolutos, seguido das milícias. As milícias, inclusive, amargam mais perdas por confrontos do que conquistas. Daniel Hirata enfatiza que é preciso contextualizar esses dados com a evolução do controle territorial no Grande Rio. “É interessante observar o nível do emprego dos conflitos como recurso estratégico. Mas esses dados são insuficientes para entendermos a expansão dos grupos armados. A última atualização do Mapa dos Grupos Armados revela que os territórios sob domínio deles dobrou em 16 anos: era 9% do Grande Rio, hoje é 18%. Ou seja, essa expansão se deve sobretudo ao que chamamos de colonização de novas áreas. E como se nota, apesar das polícias promoverem muitos tiroteios, eles são ineficazes para inibir esse processo”, conclui. 

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