Crédito: Thathiana Gurgel/DPRJ

Chacinas Policiais no Rio de Janeiro: Estatização das mortes, mega chacinas policiais e impunidade

Realização:
GENI/UFF

Data:
Maio 2023

Parceiro:
Fogo Cruzado-RJ

Estudo inédito do Geni/UFF aponta impunidade nos casos de letalidade policial e traz nova classificação para o número elevado de óbitos nas operações: as mega chacinas

Termo passa a ser adotado para ocorrências com oito ou mais mortes. Foram 27 casos nos últimos 15 anos e apenas dois foram encerrados

 Um estudo inédito do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI/UFF) mostra que a letalidade policial no Rio de Janeiro é tratada com impunidade. Apenas duas das 27 operações que resultaram em grande número de óbitos foram denunciadas pelo Ministério Público à Justiça, sem que nenhuma delas tenha passado da fase de instrução e julgamento. Outras duas foram arquivadas. O levantamento apresenta um novo termo para denominar a matança. Diante do número cada vez maior de óbitos nas operações, os pesquisadores estabelecem uma nova classificação: as mega chacinas, quando há oito ou mais mortos. Ocorrências com três ou mais mortes são denominadas genericamente como chacinas.

 A nova classificação permite um tratamento diferenciado para as ocorrências, conforme o grau de letalidade. O levantamento é apresentado dois anos após a mega chacina do Jacarezinho, a maior da história do Rio de Janeiro, e revela que 33% das maiores matanças policiais ocorreram nos últimos dois anos. De acordo com o relatório “Chacinas Policiais: Estatização das Mortes, Mega Chacinas Policiais e Impunidade” apenas duas das 27 megas chacinas dos últimos 15 anos foram denunciadas pelo Ministério Público à Justiça e nenhuma passou da fase de instrução e julgamento. Outras duas ocorrências foram encerradas e arquivadas, sem que ninguém fosse responsabilizado.

 Elaborado pelo pesquisadores Daniel Hirata, Carolina Grillo, Renato Dirk e Diogo Lyra, o relatório mostrou que um terço dessas 27 mega chacinas se concentram no período de 2020-2022: a mais letal (Jacarezinho, com 27 mortos civis, em maio de 2021), a segunda mais letal (Penha, com 23 mortos, em maio de 2022) e a quarta mais letal (Alemão, com 16 mortos, em julho de 2022). 

As polícias foram responsáveis por 35,4% da letalidade na Região Metropolitana do Rio nos últimos três anos – ou seja, mais de um terço das mortes violentas ocorridas foram decorrentes de ações policiais. Em 2013, ano menos letal da série analisada, o percentual foi 9,5%.

Segundo o estudo, está em curso na Região Metropolitana do Rio de Janeiro um processo de estatização das mortes associado à produção de mega chacinas, uma vez que as forças policiais vêm impulsionando as mortes e atuando em operações altamente letais. Para o coordenador do GENI/UFF, Daniel Hirata, este fenômeno pode ser atribuído ao que o grupo chama de “desencapuzamento das chacinas”

— Se antes a maioria das chacinas era praticada por grupos de extermínio, em sua maioria formado por policiais da ativa ou reserva, fora de serviço, hoje as chacinas são praticadas principalmente por policiais em serviço, durante ações “avalizadas” por seus superiores hierárquicos e amparadas pela impunidade concedida pelo Sistema de Justiça Criminal — explica Hirata.

Impunidade

Outro ponto observado pelo relatório é que o mesmo padrão de impunidade característico ao processamento legal dos casos ordinários de letalidade policial se repete no que tange às mega chacinas policiais. 

Quanto à situação do processamento legal das mega chacinas policiais, apenas dois casos foram denunciados pelo Ministério Público à Justiça e nenhum deles concluiu a fase de instrução e julgamento, isto é, nenhum deles chegou a ser pronunciado ou impronunciado no Tribunal do Júri e, portanto, não foi ao julgamento decisivo pelos jurados.

De acordo com a coordenadora do Geni, Carolina Grillo, chama a atenção o fato de haver tamanha morosidade no processamento de casos que, em tese, mereceriam maior celeridade e atenção por parte do Sistema de Justiça Criminal, uma vez que se trata de casos com um número escandaloso de vítimas letais por agentes públicos que, enquanto não são denunciados, continuam atuando nas ruas armados e em nome da Lei e da ordem. 

— Ao que tudo indica, prevalece nas instituições encarregadas de investigar, fiscalizar e punir os crimes praticados por policiais o descaso pela vida de pessoas pobres negras e favelas, ao ponto de permitir que homicídios múltiplos com 8 ou mais vítimas sejam tratados como legítima defesa ou simplesmente esquecidos — ressaltou Grillo. 

Metodologia

A base de operações policiais do GENI/UFF serve de insumo para os dados de chacinas policiais deste relatório, que se refere às operações onde ocorrem três ou mais mortes de civis. As chacinas também foram contabilizadas pela base de tiroteios do Instituto Fogo Cruzado. Nesta última, são contadas as chacinas envolvendo a presença de policiais – tanto em ação policial quanto em operação policial – e mais as chacinas que não envolvem a presença da polícia. Já a contagem de chacinas da base GENI/UFF é feita apenas quando há operação policial.

Os dados de chacinas em operações policiais da base GENI/UFF foram conferidos com os dados de chacinas envolvendo policiais em operações da base do Instituto Fogo Cruzado, resultando em números e locais de ocorrência mais precisos. Ainda, os dados de operações policiais com chacinas da base de dados do GENI/UFF foram comparados com dados advindos dos registros de ocorrência da Polícia Civil, e disponibilizados pelo Instituto de Segurança Pública, sobre “Mortes por Intervenção de Agentes do Estado”. Tal procedimento buscou por consolidação e conferência do número de chacinas (três ou mais mortos) em cada base, aumentando a validade e confiabilidade dos dados do GENI/UFF por meio da checagem com dados oficiais. Não houve tempo hábil para conferir os dados do ano de 2022 para os dados do ISP, pois o mesmo não havia ainda disponibilizado os microdados para o público até a realização do presente relatório.

Arquivo:

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